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Associação Alemã de Castelos (DBV) – Viagem Alemanha entrevista

Com mais de 25 mil castelos, a Alemanha é um destino imperdível para quem admira estas lindas construções e a história medieval. Mas para que este patrimônio histórico e cultural seja preservado, a Deutsche Burgenvereinigung – DBV (Associação Alemã de Castelos, em português) faz um trabalho hercúleo, catalogando castelos e ruínas por toda a Alemanha.

Nossa entrevista é com o Sr. Wagner, diretor da associação e residente de um castelo medieval, o Marksburg. É com muito orgulho que somos membros da associação e trazemos esta entrevista para vocês.

O castelo Marksburg, no vale do rio Reno. Foto: Deutsche Burgenvereinigung .

O que é a Associação Alemã de Castelos (Deutsche Burgenvereinigung) e qual o seu propósito?

A associação é uma iniciativa de proteção ao patrimônio histórico, para que a herança cultural não seja destruída, nem demolida. Ela foi fundada em 1899 por um arquiteto berlinense que se ocupava da proteção ao patrimônio histórico, através da restauração de castelos. Ele via nesta época (século XIX) que muitos castelos eram construídos no estilo francês ou inglês, mas não correspondiam a um estilo verdadeiramente alemão. Daí ele funda essa associação para conservação dos castelos, para que os trabalhos de restauração ou reconstrução fossem feitos da forma correta.

Há que se notar um certo mal-entendido com o nome da DBV. Somos uma associação de pessoas, e não uma rede da qual os castelos fazem parte.

Essa era a época do Romantismo, em que desejava trazer de volta elementos medievais, dos castelos medievais, correto?

Sim, sim, por isso, muitos castelos aqui no vale do Reno foram reconstruídos por pessoas que podiam pagar por isso, na maioria nobres ou industriais, pois construir um castelo custa bastante dinheiro. E ainda delegavam a um arquiteto, que ele deveria construir um castelo, e na maioria das vezes, tinham pouco a ver com um castelo medieval. O melhor exemplo é aqui perto de Koblenz, no palácio Stolzenfels, que foi reconstruído por um famoso arquiteto prussiano que trabalhou muito em Berlim e Brandemburgo.

Schloss Stolzenfels – um palácio neogótico do século XIX

Aqui, ele fez um palácio no estilo neogótico. Há também um exemplo mundialmente conhecido, o Neuschwanstein, que não é um castelo de verdade, mas uma invenção, construído segundo o modelo de um castelo medieval, o castelo de Wartburg, sendo sobreposto pelo Romantismo. Ele é puramente uma construção romântica suntuosa.

Esse ponto é importante, pois há uma confusão com os termos palácio e castelo. Por exemplo, em português, ou em inglês, que usamos castelo ou castle para todas estas construções.

A respeito dos termos, posso que dizer que na Alemanha, deve-se diferenciar. A definição de Burg, como a residência fortificada de um nobre, ou seja, uma casa, com muralha ao redor, para proteção do senhor desta região, seja de seus inimigos ou de seus súditos. Isto é um Burg (castelo). Com o advento das armas de fogo, com os canhões, esse castelo não era mais útil porque um tiro de canhão podia destruir essa muralha. Daí, esta residência é repartida em unidades residenciais e unidades militares.

As muralhas do castelo como necessidade de defesa, no período anterior à utilização das armas de fogo em combate. Foto: Deutsche Burgenvereinigung.

Assim, do Burg, em que a defesa e a residência eram conjuntas, desenvolveu-se o Schloss (palácio) enquanto o aspecto da defesa fortificada era na Festung (fortaleza), na qual viviam somente os soldados e não os lordes donos de terras. Ela era construída somente com a finalidade militar, para também resistir a tiros de canhões. Então essa é a diferença de palácio e castelo, da qual a fortaleza também faz parte destes termos, a partir do ano de 1500, aproximadamente.

Artilharia de canhões – aqui, após a Idade Média, começa a necessidade por um novo tipo de defesa. Foto: Deutsche Burgenvereinigung.

Quantos castelos existem na Alemanha?

Na nossa Associação há o Instituto Europeu de Castelos e um dos seus escopos de pesquisa é investigar quantos castelos há ou havia na Alemanha. Ainda estamos trabalhando nisso, mas já sabemos que são muito provavelmente mais de 25 mil. Ainda vai levar um tempo até que todos sejam descobertos. Estamos trabalhando um estado federativo por vez. No momento, já coletamos dados da Niedersachsen, Rheinland-Pfalz, Nordrhein-Westfalen e Saarland e já descobrimos que em cada um destes estados citados havia, pelo menos, mil a dois mil castelos. No site da EBI, pode-se saber destes castelos que já temos no arquivo.

Castelo Reichsburg, na cidade de Cochem (Rheinland-Pfalz)

Dessa lista, constam somente castelos inteiros ou também as ruínas?

Nesta lista, constam quaisquer castelos que tenham existido antes de 1500. É o ano que usamos como limite, pois senão os palácios deveriam também ser contabilizados e é algo que não queremos ainda. Há muito, muito mais para os próximos anos, nestes 25 mil. Aí estão todos os castelos dos quais sabemos, não somente os que tem teto, mas também os que estão em ruínas nas florestas, ou até mesmo alguns que nem sequer mais existem, mas são do período anterior a 1500 e que aparecem em alguma mensagem ou certidão da Idade Média. Os palácios não estão neste levantamento, somente os castelos medievais, que eram o nosso primeiro alvo. Daqui a três anos, quando tivermos terminado, os palácios começarão a ser catalogados.

De quem é a propriedade dos castelos hoje? Por que alguns castelos são abertos à visitação e outros não? Os castelos pertencem ao Estado, ou à nobreza?

Uma boa parte dos castelos ainda pertence às famílias nobres, foram seus ancestrais que os construíram. São muitos. Outros pertencem atualmente ao estado, seja aos estados federativos ou aos municípios, como as famosas ruínas Rheinfels aqui no Reno, que pertence à cidade de St. Goar, que as adquiriu da Prússia. Ao longo do tempo, os castelos foram vendidos à medida que seus propietários não podiam mais mantê-los.

As ruínas Rheinfels são hoje uma atração no vale do Reno.

Na Idade Média, no entanto, era diferente. Era uma questão de dominar regiões, se era um lorde ou precisava de proteção, mas hoje este não é mais o caso. Hoje, os castelos funcionam como residências, alguns são equipados como albergues, então encontra-se um uso, uma função para estes castelos, porque se eles são utilizados, não vão perecer, não vão virar ruínas. Muitos proprietários vendem ingressos para a visita a seus castelos, fazem um museu, como no Wartburg ou no Neuschwanstein, e assim o proprietário ganha dinheiro para manter o castelo.

Como é a vida em um castelo? É possível comprar um palácio ou um castelo?  

Varia bastante. Se um castelo é de propriedade privada, e ainda está com sua parte histórica preservada, é claro que haverá problemas com o abastecimento de água, comunicação, energia elétrica, e etc. Eu vivo há 19 anos aqui no castelo Marksburg, que com certeza é um dos destaques dentre os castelos na Alemanha e que há bastante tempo é utilizado para a administração da Associação Alemã de Castelos. Aqui temos aquecimento central, energia elétrica, abastecimento de água, telefone, internet, tudo isso pode ser instalado nos dias de hoje e certamente se você hoje quer utilizar um castelo, irá precisar dessa infraestrutura.

Mas deve-se ter cuidado ao lidar com isso. No Marksburg, os cômodos históricos ainda estão no seu estado original, sendo expostos como museu do castelo. Os cômodos nos quais eu moro ficam no palácio românico do século XIII mas num andar que foi construído acima, já em 1608, ou seja, uma parte bem nova do castelo.

E na parte em que o senhor mora, foi tudo equipado para uma reforma, digamos assim?

Neste cômodos em que moro, imagine um apartamento antigo, ainda com o teto com vigas, mas tirando isso, nada demais, ou seja, sem lareira, ou alguma decoração típica de um castelo. Os cômodos originais, como num castelo, estes nós mostramos aos turistas. Por ano, recebemos mais de 180 mil visitantes no Marksburg e aqui, as pessoas podem ter uma imagem de como era um castelo na Baixa Idade Média.

Quais castelos considera imperdíveis para os viajantes?

O castelo de Meersburg, no Bodensee (Lago de Constança). Foto: Viagem Alemanha.

É claro que existem muitos e muitos que são incríveis, mas para mim, alguns são impressionantes, como o castelo Eltz, no vale do rio Mosel, o castelo Kriebstein, na Saxônia, o Ronnneburg, em Hessen, o Meersburg, no Bodensee (Lago de Constança), o castelo Wartburg, na Turíngia, o castelo Vischering, em Nordrhein-Westfalen, o castelo Burghausen, na Baviera, que é o castelo mais extenso do mundo, com mais de 1 km de comprimento e, é claro, o Marksburg. Eu não escolhi especificamente nenhum castelo romântico, mas aqueles que se encontram ainda mais ou menos em seu estado medieval e que não foram remodelados de forma considerável no século XIX.

Fala-se muito sobre as câmaras de tortura nos castelos. No entanto, muitas vezes as pessoas ficam decepcionadas, esperando ver as câmaras de tortura como dos filmes, só que não se vê essas câmaras em uma visita a um castelo, pois os prisioneiros aparentemente, eram mantidos nas torres. Era assim mesmo? Há algum castelo no qual pode-se ver uma masmorra como a dos filmes?

Em princípio, posso dizer, você está certa. Na maioria dos castelos, não existia câmara de tortura, porque o castelo era uma construção erguida principalmente na Idade Média Central e nesta época, a tortura não era permitida. No ano 1280, o Papa autorizou a tortura somente contra os hereges. Então, agora que era permitido, espalhou-se rápido e a tortura passou a ser utilizada contra outros crimes, ou também por motivações políticas, até que na Baixa Idade Média e depois da Idade Média, havia muitas torturas – digo, por exemplo, a Inquisição Espanhola – mas isso não é um fenômeno que acontecia nos castelos e, se acontecia, era somente no castelo em que o senhor daquela região tinha sua residência porque ele tinha legimidade judicial e em processos judiciais na Baixa Idade Média, a tortura desempenhava um papel. Antes disso, não se pode falar em torturas nos castelos.

Isto é um clichê que infelizmente, as pessoas tem em mente, por isso quando elas vem aqui ao Marksburg, querem ver a câmara de tortura. Nós temos, na verdade, um espaço que originalmente era o estábulo dos cavalos, e nossos guias explicam que ali parece um câmara de tortura mas era mesmo um estábulo. Nós explicamos, através dos instrumentos ali expostos, o que era aquilo. Podemos explicar o que era o fenômeno da tortura, mas deixamos bem claro que na maioria dos castelos não havia câmara de tortura. Eu mesmo não conheço um castelo em que haja uma câmara de tortura original para visita. Mas existe uma câmara de tortura original e fica na prefeitura de Regensburg. Esta eu realmente indico a visita. Não se chamava câmara de tortura, mas “sala de interrogatório”, pois ali os deliquentes eram interrogados e de uma forma dolorosa. Já estive lá e é bem expressivo, é algo original.

Regensburg, às margens do rio Danúbio na Alemanha.

Muito do que se diz hoje e pensa sobre a Idade Média, sobre as torturas, na verdade foi criado a partir do Iluminismo.

Isto é culpa principalmente dos Românticos. Eles tiveram sim, um lado positivo e agradável, mas eles introduziram os romances góticos e nesse período foram escritos romances como Drácula e Frankenstein, ou o escritor Edgar Allan Poe. A Idade Média, ou os tempos passados, eram retratados como algo brutal, assustador e muitas coisas foram inventadas, que sequer existiram, e infelizmente isso foi transportado pelos filmes de Hollywood. Hoje nós lutamos contra isto aqui no castelo, para que as pessoas tenham uma outra imagem da Idade Média.

O castelo Burghausen, na Baviera – para quem deseja conhecer os verdadeiros castelos medievais na Alemanha.

A Alemanha tem muito a oferecer para quem se interessa por história medieval. O que os viajantes estrangeiros que se interessam pela Idade Média irão encontrar na Alemanha? Por que a Alemanha é um belo destino de viagem para fãs de História, que não queiram aprender apenas sobre a história do século XX?

Catedral gótica de Ulm, a mais alta do mundo.

No que diz respeito à Idade Média, os castelos e as igrejas medievais são importantes. A Catedral de Colônia, que foi construída de acordo com uma planta medieval, mesmo tendo sido terminada em 1880, mas é uma igreja gótica do século XIII. Também muitos outros castelos, a Catedral de Ulm, a Catedral de Regensburg (St. Peter Dom), e outras grandes igrejas que são um registro da Idade Média. E também o centro histórico das cidades, há muitos que são bem preservados.

As muralhas e torres medievais de Rothenburg ob der Tauber. Foto: Viagem Alemanha

Na Segunda Guerra Mundial, muitos grandes centros históricos foram destruídos, como em Kassel ou Nuremberg, mas muitas pequenas cidades foram mantidas e que hoje nos dão uma boa noção de como a Idade Média era em toda a Alemanha. Por exemplo, em Celle, ou Rothenburg ob der Tauber, ou em Regensburg, são cidades ainda historicamente intactas nas quais se pode ter um bom retrato da Idade Média. Também no leste da Alemanha, como em Görlitz, completamente preservada.

Esta é uma pergunta que fazemos a todos os nossos convidados em nossas entrevistas. Qual museu, cidade ou atração na Alemanha o senhor recomendaria aos viajantes?

Algumas já citei aqui. Vale a pena ir a Regensburg, ou Quedlingburg (Sachsen-Anhalt), ou o Vale Médio do Reno, entre Koblenz e Rüdesheim am Rhein, com uma maravilhosa paisagem cultural, das cidades à margem do rio, com castelos, vinhedos, isso é definitivamente digno de ser visto. Além disso, há também os destaques, como a Catedral de Colônia, ou Dresden, são atrações turísticas incríveis.

Uma pergunta que veio do Instagram: Há algum castelo com maior significado histórico? Se é que há algum com maior relevância histórica?

Quanto a isso, deve-se dizer que a Alemanha, ao contrário da Inglaterra e da França, já era na Idade Média, federalista. Havia um rei e este rei não tinha uma capital (uma cidade principal), não havia na Alemanha uma capital como Londres ou Paris. Havia o rei, que estava constantemente em viagem pelo reino, no seu cavalo, ele se movia de castelo em castelo. Eram castelos especiais nos quais ele podia se alojar e permanecer em segurança. Mas estes castelos não eram um castelo da capital da Alemanha, como o Windsor ou a London Tower na Inglaterra. Isso não existia na Alemanha.

Porém, há um castelo que foi muito importante para a Alemanha, que exerceu um papel importante durante séculos, que é o castelo Wartburg. Ele não foi a residência de um rei, mas nele aconteceram fatos importantes para a Alemanha. Foi no Wartburg que Lutero traduziu o Evangelho. Depois, onde começaram os movimentos pela democracia no século XIX. Isto não é medieval (risos), mas o Wartburg é um castelo alemão importante. Porém, conforme dito, não há somente um castelo medieval que tenha desempenhado um papel especial.

Castelo Wartburg, em Eisenach. Foto: Viagem Alemanha

P.S. Nossa conversa por telefone aconteceu no fim de abril e foi traduzida e transcrita por mim (Rafaella). As legendas das fotos também são de nossa autoria. Agradecemos gentilmente ao Sr. Wagner pelas imagens cedidas e pela entrevista.

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